Noite

Pelas encostas vermelhas
A noite vem subindo a montanha,
carregando nos ombros 
o seu balaio de estrelas.



Este poema, que faz parte de um grupo de 24 poemas inéditos sobre o tema "A Noite" foi publicado na Antologia  de poesia brasileira para o público juvenil intitulada "Rumo à Estação Poesia",  organização de Ronald Claver, Editora Dimensão, Belo Horizonte, 2001. Fazem parte da referida antologia, entre outros, Manoel de Barros, Olga Savary, Adélia Prado, Mário Quintana, Leo Cunha, Elias José.
























Trenzinho do Sonho




           Foi no barco do sono de onde eu pescava sozinho, nas águas clarinhas dum remanso de sonho, que desaguava no lago frio da meia manhã – que, de repente, um menino saltou de mim na minha frente e perguntou se eu o conhecia. Ora, pois, como haveria? Pois eu vou te mostrar quem sou, quem somos. Vem por mim, acompanha-me.

           Mas eu estava cego, precisava de guia?

           O pequeno tomou minha mão na sua e foi me levando para um ontem, um anteontem, um outro distante dia. E foi me mostrando uma paisagem que ia se desenrolando do futuro para o passado, reordenando os fatos nos fatos no presente, e tudo passava rapidamente visto da janela de um trenzinho de brinquedo, que ia disparado feito um calango com medo de gente.
          
Era um filme a que eu assistia de dentro do próprio filme, pois eu via o trem do tempo correndo ao mesmo tempo em que eu estava naquela viagem inventada, conduzida pela mão do menino. E passamos serras, montes, vales, horizontes, rios, riachos, pontes, postes, pastos, pássaros, boi-zinhos, bicas, sombras de pés-de-manga, e apitamos quando entramos no quintal da infância.
          
Nas cercanias, cavalinhos brancos, macios, de plumas, de neve, pastavam relva e orvalho e flutuavam em pequenos galopes, sob leves flocos de nuvens rosa desenhadas nos campos limpos da manhã.
           Os passarinhos debulhavam no ar a matinal cantoria dos quintais. Um ventinho manso e frio, vindo das bandas do rio, brincava solto nos galhos. O ar estava salpicado de folhas, flores, cheiros e notas musicais. Um aroma quente de café subia do mastro negro da chaminé. Só depois é que se enxerga a casinha branca que navega suspensa no silêncio da neblina.

           O sol, laranja madura dependurada no alto da serra.

  As lembranças melhores faziam ninho na memória. E às vezes soltavam suas imagenzinhas dentro dos olhos. Era preciso um tempinho para acostumar os olhos ao olhar. Tudo era limpo e claro na tela iluminada do sonho. Mas onde andava o menino que me trouxe para o tempo encantado? Havia fugido de mim ou em mim se refugiado?
          
Fui me aproximando da casinha caiada de brisa. Uma janela ainda bocejava.

       Ô de casa!

Ninguém responde. A porta está escorada. Era uma casa simples e bem-arrumada. Havia em tudo um brilho cheirando a branco, um asseio materno, desses que lavam e perpassam a alma das coisas.

         Onde estavam os convivas do meu sonho: o pai, sempre alegre, assobiante, estava no curral, ordenhando as vacas, ou teria ido campear além? A mãe, tão amável e bem disposta, fora à bica encher o pote de água nova? E os irmãos, tantos, foram para a escola? Ou ficaram crescidos e foram embora?

Por fim, num quarto pequeno, dorme só o menino. Ressona leve e sereno, em seu soninho quente, de palha.

O meu antigo menino, que me trouxe a mim, pequeno.

Cuidado para não acorda-lo. Ele pode não existir além do sonho.      

   (Conto retirado do livro Amor de Menino, Editora Dimensão, Belo Horizonte, 1997.)

Somos Somas





Somos somáticos:
o  soma,
                     a soma.

Em suma
somos o  que somamos
de bens
para o bem de nosso soma.

E para alcançar mais rápido
o resultado do que buscamos ter
multiplicamos
(multiplicação é soma acelerada).

Mas quando desossamos nosso ser,
quando nos des-somamos
o  que temos?

Seremos
                  serenos.