Antiode ao ódio (ou Ode ao antiódio)
Num dia infausto, neste País,
Criou-se o gabinete do ódio.
E o ódio – sódio do mal –
Envenenou refeições
familiares,
E ainda: alastrou suas raízes
daninhas
Pelas redes sociais
E com sua malícia de milícias
Fraturou relações, separou
pessoas,
Insultou, infestou opiniões.
E o ódio seguiu adiante:
Fez-se do amigo próximo
O ex-amigo distante.
O ódio subiu ao pódio do
Poder
E do alto disseminou-se.
Fecundo, gerou uma turma, uma
turba
De insanos e imbecis
Que marcharam em descompasso
De ferraduras,
Batendo continência e orando
para pneus,
Invocando ets, clamando por
Intervenção militar, por
ditadura.
Inflamados, os adeptos da
mitocracia
Insurgindo-se contra o
resultado da democracia,
Invadiram as sedes dos
poderes da República
Quebrando, destruindo,
sujando, até com fezes (os
enfezados)
Tudo o que sua fúria
alucinada alcançava.
Mas como o ódio adoece
Quem dele se apetece,
Acabou sufocado.
Mas mesmo vencido, subjugado
No pós 8 de janeiro,
Foi suplantada a sanha da
insensatez?
Era uma vez o ódio,
Página virada da história
recente?
Pior que não.
O ódio não se rendeu por
inteiro,
Segue incubado em mentes
dementes
Qual peçonha nas mandíbulas
de serpentes.
Corpo Nu à Beira-Mar –
Um belo livro de crônicas
A
crônica literária nos proporciona, em geral, uma leitura agradável, prazerosa
e, não raro, divertida. Elaborada quase sempre em prosa poética, com laivos de
humor e ironia, esse tipo de texto curto e leve, sem artifícios estilísticos
sofisticados, caiu no gosto dos leitores, mesmo os mais exigentes, e também
atraiu grandes escritores brasileiros, que se tornaram, além de poetas,
romancistas, contistas, excelentes cronistas. Além de Rubem Braga, expoente
reconhecido do gênero, encontramos como autores consagrados de crônicas nomes
como Paulo Mendes Campos, Otto Maria Capeaux, Carlos Drummond de Andrade,
Fernando Sabino, entre outros.
A
professora e escritora mineira, de Patos de Minas, Elisa Guedes, lançou
recentemente o livro Corpo Nu à Beira-Mar,
um excelente exemplar de crônicas, no qual aborda diversos temas. Embora seja
este o primeiro livro da autora, ele é fruto de uma maturidade cultural e
literária extraordinária, do mais elevado nível de escrita criativa. Está
subdividido em 5 partes, de acordo com os temas pelos quais a autora
incursiona, a saber: “Coisas do Entardecer”, “Coisas da Política”, “Coisas da
Arte – Cultura e suas Preferências Nacionais”, “Relacionamentos e suas coisas”,
“Coisas Locais”.
Na
primeira parte, “Coisas do Entardecer”, são enfocados os problemas e as
vicissitudes, “as delícias e as amarguras” do envelhecimento. Com bom humor e
sabedoria a autora narra fatos que ocorreram com ela e com outras pessoas de
sua convivência e faz reflexões interessantes sobre o passar do tempo e a
chegada da chamada terceira idade. Sem lamúrias, sem autopiedade, mas também
sem um conformismo autoindulgente, ela vai tecendo suas considerações, de
maneira sóbria e sábia, sobre a passagem do tempo e sobre que a vida traz aos
que vivem seus setenta anos ou mais. E se ampara, às vezes, em citações, bem
contextualizadas, de poetas e escritores, como Drummond e Guimarães Rosa, de
filósofos, como Simone de Beauvoir, de pintores como Da Vinci e Munch, em
músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nelson Cavaquinho,
entre outros. Vamos, com a leitura
saborosa dessas crônicas, aprendendo a ver a vida com mais humor e aceitação do
inevitável.
Mas
não é só isso. Ainda nessa primeira parte, a autora enfoca um leque de variados
temas e subtemas como educação, arte, cultura, relacionamentos familiares,
amorosos e sociais, amizades. Enfim, com sua antena giratória de boa
observadora da realidade, ela capta e filtra tudo que o mundo a sua volta lhe
oferece para sua análise percuciente dos fatos e das circunstâncias. Como bem
nota o prefaciador Luís André Nepomuceno, “(...) o livro de Elisa Guedes
entrega uma diversidade de temas e sabores contemporâneos, num imenso todo de
variedades, como se a consciência saísse por aí a vasculhar o mundo e suas
complexidades”. O mesmo autor do prefácio já afirmara, linha antes: “São
crônicas (...) que vão do texto literário breve (...), extraídas do cotidiano
imediato até as reflexões mais penetrantes e fincadas no drama social e
político do país”.
Na
segunda parte, “Coisas da Política”, a autora expõe, de forma corajosa, sua
visão crítica, às vezes impiedosa, mas sem arroubos discriminatórios ou
deselegantes, contra as aberrações, a onda de ódio e a insanidades que assolou
o país no passado recente, em que os adoradores de mitos manifestaram sua
adesão a uma indecorosa maneira de conduzir a vida política do País. Não se
trata aqui de proselitismo, de discurso partidário, mas de uma visão de mundo
que não coaduna com a falsidade, com a hipocrisia pseudo-religiosa, com
bravatas inconsequentes, mas sim com a busca da verdade e do bem comum, da
justiça social, com a preservação da natureza e com valores humanos
incontestáveis. Elisa tem lado e demonstra sem qualquer receio que lado é esse.
Na crônica “Amigos que perdi, amigos que nunca foram”, ela declara: “O
compromisso me é tão intrínseco que deixar de alertar e denunciar as necessidades
sociais e as mazelas governamentais que impedem de combater as desigualdades é
impensável. Meu jeito de estar no mundo não é a placidez serena de Monalisa, mas o desespero de O Grito. Nessas belas criações, Munch me
representa, Da Vinci apenas me encanta”. Mas mesmo a revolta e a indignação da
autora são contornadas pela lucidez e pelo bom senso. Enfim, essas crônicas são
tão sinceras, com argumentos tão bem fundamentados e contundentes, e são tão
bem escritas que ao final da leitura de muitas delas tive ímpeto de bater
palmas, de pé, como fiz, juntamente com toda a plateia, quando acabei de
assistir, no cinema, ao filme Ainda estou
aqui.
Na
terceira parte, ao enfocar questões relativas à educação, à arte e à cultura, a
autora mostra seu conhecimento e seu domínio cultural nessas áreas. Sobre a
educação, como professora que foi por muito tempo, ela expressa, com
conhecimento de causa, sua visão crítica sobre as deficiências do sistema
educacional brasileiro. Aqui seus textos se aproximam de artigos de opinião e a
escritora faz comparações com outros sistemas internacionais e fundamenta seus
argumentos com dados de organismos internacionais como a OCDE.
Na
quarta parte, sob o subtítulo de “Relacionamentos e suas coisas”, a escritora
compõe belos textos sobre a saudade, o perdão, a traição, entre outros temas,
com a perspicácia de quem tem o que dizer e o faz bem dito. Aqui predomina o
texto leve, com viés poético e, às vezes, irônico. E sempre com a classe e
lucidez que lhe são peculiares. Na
Crônica “Um homem feminino, o que posso desejar a uma garota no dia da mulher”,
ela traça o perfil do homem ideal para ser um bom marido e companheiro: um tipo
afetuoso, colaborador, sensível, sem os estereótipos do machista, do mandão, do
autoritário. E toma como exemplo o músico Caetano Veloso, em quem vê as
qualidades desse tipo homem.
Corpo nu à beira-mar é um livro digno de prêmios, mas
mesmo se não os alcançar, tem o mérito de enriquecer a literatura mineira, e
mesmo a brasileira, uma vez que se equipara ao que de melhor já se publicou no
gênero da crónica no País. Tomara que
conquiste um grande número de leitores, que poderão desfrutar do prazer da
leitura. Além de informações e reflexões preciosas.
*Wilson
Pereira é poeta, contista, cronista e autor de livros infanto-juvenis, com 20
livros publicados. Mantém o blog: wilsonpereirapoeta.blogspot.br
Cantiga
Pelas estradas do passado
lá do interior de Minas
vem cantando um carro de bois
carregado de neblinas.
Eu tenho um sonho
Com Martim Luter King
eu repito:
I have a dream.
Sim,
eu tenho um sonho
um sonho enorme
de ver a harmonia
como norma tácita,
se fazer plena entre
todos os povos.
Um sonho de ver
apagar-se de vez
os espotins do ódio.
Um sonho de ver as armas
incineradas, derretidas...
as armas serem mortas
em favor da vida.
Um sonho de ver
as nações ricas
ajudando as nações pobres.
Como Martin Luter King
I have a dream:
o coração do homem
pulsando amor solidário,
a mão suave do homem
detendo a mão brava do crime,
de todos os crimes.
A mão plácida do homem
estendendo sua palma
com um Salmo
sobre o silêncio do mundo.
As abelhas e os rios
Os rios
e as abelhas
são as veias
e o sangue
da vida.
Matá-los
é genocídio:
a Ciência sabe disso,
mas o agronegócio,
com os agrotóxicos,
está fazendo o serviço.
Visita ao passado
Há coisas lindas
que já não nos pertencem,
a não ser pela poesia:
uma fazenda antiga
(hoje com a casa vazia)
e o desejo
de visitar o passado
que nela vivia.
Ovelha Negra
O poeta vai, aos poucos,
subindo o Monte Olimpo,
tangendo seu rebanho de
poemas:
ovelhas de lã clara,
de hábitos macios,
de olhares líricos,
de ritmados passos,
de faro altivo.
No entanto
no meio do rebanho
segue a ovelha negra:
audaz e destemida
cabeça erguida
segura em seu livre arbítrio;
com seu irreverente balido
protesta contra injustiças,
preconceitos, violência,
contra corruptos e milícias,
contra falsidades e preguiça.
E por ser distinta e
insurrecta
é a preferida do poeta.
Águas da Vida
A vida
são águas que fluem
da nascente à foz
de nós.
Águas
que vão crescendo,
encorpando
com as vidas afluentes.
Difícil, para alguns,
é preservar as águas
de si
sempre puras e transparentes,
sem contaminações influentes.
Com meu pai
de outro modo é que se deu:
ele correu suas águas riachinhas
limpas, boas de se beber, sempre.
Limpeza de se dar exemplo
(muito de mim, eu aprendi dele).
Naquele dia distante, assim é que pensei:
que meu pai não morreu!
Meu pai desaguou em Deus.
Resgate
Eu esqueci o menino
no sol, na chuva, no tempo,
ao desalento.
Agora, escrevi um poema
e trouxe o menino
para dentro
de mim.
Ciúme
O ciúme trai o amor
e atrai a intriga.
O ciúme,
sem fundamento,
se auto-sustenta
com a dúvida
e o tormento.
O ciúme se inflama,
representa, improvisa.
O ciúme inventa brigas
(de) que o amor não precisa.
O ciúme faz cena, faz drama
e faz mal ao coração de quem ama.
Hora Clara
Poeta Thiago de Mello,
a minha palavra
junta-se à tua
na faina de anunciar:
se se faz escuro,
é hora de clarear.
A noite já vem longa
dos quartéis de assombro
pisando com seus coturnos
o sol dos homens.
Poetas soturnos,
operários da sombra,
apeai de vossos ontens:
incendiai a aurora
e enterrai o monstro!
Eu tebendigo, Neruda
Eu te bendigo,
Neruda,
Por tua
poesia
Sincera e
aguda.
Te
bendigo,
Poeta
solidário
Com a vida
do povo
Explorado
e oprimido,
Te bendigo
Por tua
poesia
Carregada
de denúncia
Salgada de
brisa e maresia,
Mas também
incendiada
de
esperança, de amor e alegria.
Te
bendigo, sobretudo,
Por tua
coragem e rebeldia,
Por tua
conduta
De poeta
de luta, com ideologia.
Te bendigo
Por tua
crítica ácida
Aos poetas
nefelibatas
Que
negligenciam a luta
Pela
liberdade e a justiça.
Eu te
bendigo, Neruda,
Por nos
ensinar
Que a
poesia não deve
Ser
omissa.
Te
bendigo,
Poeta dos
Andes,
Que
sobrevoou,
Com asas e
olhos de condor,
A América,
com suas agruras...
E das
alturas
Cantou a
beleza de sua flora
E de sua
fauna
E mais
ainda:
Cantou o
povo
E sua alma
Em teu
Canto General,
Epopeia
moderna e universal.
Mitos
Sísifo e Narciso
carrego pedras
para edificar
diante dos espelhos
meus próprios tombos
e não sei se porque quero
ou se porque preciso
levo para alto
um deus indeciso
nos machucados ombros.
O Amor
O amor,
de manhã cedo,
urina restos azedos
de sonhos e afagos.
Não basta
limpar os dentes
a gosma da língua
que o amor sempre míngua
suas sementes.
Não adianta
abrir as cortinas
para que entre o cio
de algum argumento
contra o amor morrente;
A alegria cria mofo
nos olhos de ontem,
mas o amor ascende
de suas próprias cinzas
de suas sobras e minas
úmidas e quentes.
O amor inclina o homem.
O Sal da Fome
O menino ao longe
O
menino
vem
se insurgindo
no
tempo.
É
manhãzinha ainda
nos
seus domínios.
Ele
vem saindo
de
dentro da paisagem
de
neblinas.
O
menino ao longe
vem
vindo, pequeno
em
mim,
crescendo
em si,
atravessando
o tempo
montado
num cavalinho de vento.
